
Quem percorre a avenida Paulista sente algo especial, alguma coisa acontece no coração. Não é um lugar qualquer, com o perdão pela platitude. Ali se junta gente de todo tipo, de todas as classes sociais, raças e credos. Diariamente, a movimentação é fervilhante. A grandeza e a dura poesia concreta de suas esquinas emocionam e causam fascinação.
Ainda que não mais existam os casarões do passado, substituídos por prédios residenciais e de escritórios, a via mantém o traçado de 2,8 km e conta a história do desenvolvimento da cidade. Transformou-se no grande símbolo de São Paulo, no ponto que resume suas contradições, transformações e virtudes. Caminhar pelas suas calçadas abarrotadas é uma delícia.
A Paulista nasceu em 1891 num espigão divisor de dois vales, o do Pinheiros e o do Tietê. Seu idealizador foi um empreendedor imobiliário chamado Joaquim Eugênio de Lima, que dá nome a uma das transversais da avenida. Quando pensou em abri-la e em lotear suas laterais tinha em mente os grandes bulevares das capitais europeias.
Queria que ela fosse plana e larga, a mais larga da cidade, e para isso eliminou todas as irregularidades do terreno, em especial a baixada onde se localiza o túnel 9 de Julho que foi aterrada. Junto com seus sócios José Borges Figueiredo e João Augusto Garcia, adquiriu as áreas entre a rua da Consolação e o Paraíso para realizar o empreendimento.
Eugênio de Lima nasceu em Montevidéu em 1845, quando seu pai exercia um cargo diplomático no Uruguai. Foi jornalista e engenheiro agrônomo, mas fez sua carreira no ramo imobiliário, comprando e vendendo terrenos. Cursou a faculdade na Alemanha e percorreu vários países da Europa e estados brasileiros antes de se radicar em São Paulo. Possuía uma visão de urbanista e participou da construção do viaduto do Chá. Com a mulher, Margarida, teve dez filhos.
Concebeu a Paulista como um lugar para as elites, com grandes lotes que pudessem abrigar casas de luxo. Nas primeiras décadas depois de sua inauguração, ela passou a ser ocupada por fazendeiros do café para, em seguida, virar moradia de grandes comerciantes e industriais da cidade. Hoje ela é a avenida do povo.
A localização da via foi escolhida com cuidado. Era um local agradável, arborizado, com sítios e chácaras e pouco habitado. Funcionava como uma estrada de passagem de gado em direção ao matadouro. O loteamento só foi feito três anos depois da inauguração da avenida, que foi retratada em um quadro de Jules Martin que se encontra no museu do Ipiranga.
A primeira casa instalada no local foi a do ministro Álvaro Gomes da Rocha Azevedo, com número 58. Era uma construção pré-fabricada, de pinho de riga, encomendada por Eugênio de Lima e que veio desmontada em um navio da Noruega. Tinha três níveis e o estilo de um chalé europeu, com varandas e recortes de madeira no telhado.
A avenida foi aberta numa região chamada de Alto do Caaguaçu, um dos pontos mais elevados da cidade, de onde se tinha uma vista privilegiada dos dois lados. O nome indígena significa “mata grande” e sugere a existência de uma vegetação exuberante antes de sua construção.
Inicialmente, Eugênio de Lima pretendia que a avenida se chamasse Prado de São Paulo ou das Acácias. Seus sócios, porém, sugeriram que levasse seu nome. Ele recusou e decidiu batizá-la de avenida Paulista. “Será uma homenagem aos paulistas”, declarou.
O que resta da avenida do passado são alguns poucos casarões e o parque Trianon, local de encontro dos abastados moradores da avenida. A área do mirante em frente ao parque, que havia sido doada para a Prefeitura, foi ocupada pelo Masp em 1947. Por exigência de Eugênio de Lima qualquer obra que fosse ali construída não poderia obstruir a vista que se tinha da cidade. Isso foi respeitado no projeto de Lina Bo Bardi. O idealizador da Paulista morreu em 1902, aos 56 anos.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
