O Tocantins está entre os estados considerados mais negros do Brasil, com mais de 75% da sua população se declarando negra, de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2022. São mais de 1,1 milhão de tocantinenses pretos e pardos, aspecto que repercute a afrodescendência marcada na história do país.
Nesta quarta-feira, 20, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, o Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO) reforça seu compromisso na construção de uma sociedade efetivamente comprometida com a equidade racial. Por meio de diversas iniciativas, a instituição busca promover a inclusão social, conscientizar sobre a importância da diversidade e combater o racismo estrutural, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária para todos.
A autodeclaração para a Justiça Eleitoral
A autodeclaração contribui diretamente para o ato de representatividade. O ser humano querer reconhecer sua identidade é intrínseco de si, procurando encaixar-se e ver no outro algo que também é seu, com orgulho das características que o formam, seja na personalidade, na sua história, etnia ou, de forma mais específica para este dia, na sua cor.
No cadastro eleitoral para as Eleições Municipais de 2024, 1.171.342 tocantinenses estavam aptos para exercer o voto. Entretanto, apenas 17,69% desses eleitores informaram à Justiça Eleitoral do Tocantins a sua autodeclaração racial. Dentro desses dados, foi possível constatar que mais de 165 mil eleitores tocantinenses são pretos e pardos.
Com o cadastro novamente aberto para as Eleições 2026, eleitoras e eleitores têm a chance de fazer a atualização dos seus dados junto à Justiça Eleitoral, informando sua autodeclaração racial. Esse ato contribui diretamente no fortalecimento da representatividade em espaços políticos e institucionais, ajudando no melhor entendimento do perfil do eleitorado e no fomento de políticas públicas voltadas para as necessidades dos diferentes grupos sociais.
Representatividade
Ter pessoas pardas e pretas inseridas em diversos espaços gera a identificação em outros negros e isso incentiva o próprio reconhecimento, validando assim a representatividade. A jornalista Bárbara Andrade, que já foi o rosto do TRE-TO nas redes sociais, conta que para a maioria das mulheres e meninas pretas, o crescimento vem acompanhado de estar em ambientes majoritariamente brancos, onde o racismo deixa marcas e cria muitas barreiras internas.
“Por conta disso, quando cheguei ao TRE-TO, trouxe comigo muitos medos e incertezas. Mas para a minha surpresa, ali encontrei um ambiente acolhedor, que me permitiu crescer, aprender e me sentir valorizada”, afirmou Bárbara. Ela continuou, dizendo sobre o orgulho e a responsabilidade de ter sido a garota propaganda da Justiça Eleitoral do Tocantins. “Como mulher preta, representar uma instituição tão importante para a democracia significava também levar o rosto e a voz de uma mulher preta e reforçar que pertencemos a todos os lugares, inclusive aos que insistem em nos excluir”, concluiu.
A representação de Bárbara atingiu um dos seus objetivos. Ao entrar no TRE-TO em 2021, ainda como estagiária, a jornalista Lanne Hadassa, também negra, ressalta que sentiu receio e medo da exclusão e principalmente, dos possíveis olhares preconceituosos, se perguntando se estar ali seria o certo. Pois muitas das vezes é isso o que acontece com as pessoas negras, o sentimento de estar invadindo um local que não é seu. Entretanto, ao abrir a porta da sala, a primeira pessoa que viu foi Bárbara, preta, sorridente e de cabelo crespo. Isso a fez sentir aliviada, percebendo que não estava sozinha e que o ambiente também era seu lugar.
No TRE-TO
A gestora do Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, no TRE-TO, Teresa Cristina da Silva de Oliveira, servidora da Ouvidoria Regional Eleitoral (ORE-TO), destacou que a representatividade no tribunal, incluindo a presença de pessoas negras, é fundamental para garantir que a justiça seja acessível e imparcial para todos.
“É importante ressaltar os avanços. Hoje no TRE-TO temos quase 50% de pessoas negras que ocupam cargos, em funções no tribunal”, disse.
Racismo e preconceito
O servidor do TRE-TO, Cláudio Souza, relata uma experiência que viveu em uma viagem. “Minha família e eu nos hospedamos em uma pousada comandada por uma senhora branca. Durante o fechamento das contas, na manhã seguinte, enquanto o jornal era exibido na televisão, uma reportagem mostrava socorristas salvando um cachorro de um alagamento. Naquele momento a senhora parou e disse ‘no mundo de hoje cachorro e preto tem mais valor que gente’. Eu fiquei muito desconfortável”, contou.
Reconhecimento da identidade negra
Em números nacionais, 55% das brasileiras e brasileiros são negros, sendo mais de 110 milhões de pessoas. Por muito tempo, o ser negro foi estigmatizado no país. Seja por meio de palavras difamatórias ou indo até os atos de violência moral e física, o racismo estrutural presente na sociedade brasileira negou a identidade afrodescendente, resultado de um período que escravizou pessoas negras trazidas do continente africano para o Brasil por quase 400 anos.
Mesmo depois do fim da escravidão, os negros brasileiros ainda passaram por diversos problemas, muitos deles que perduram até os dias de hoje.
O reconhecimento da própria identidade é um dos problemas que mais afetam os afrodescendentes, pois a negritude da população sofreu uma tentativa de apagamento constante, em que as pessoas não se consideravam negras, afinal, era um estigma, fora do padrão dito aceitável e bonito.
No entanto, nos últimos censos foi possível perceber o enegrecimento da população brasileira. De acordo com o monitoramento do Ministério da Igualdade Racial, esse resultado deve-se ao crescente reconhecimento do pertencimento étnico-racial por parte dos afrodescentes.
E o reconhecimento cresce à medida em que se intensifica o debate público a respeito do racismo e da promoção da equidade racial. É por isso que é tão importante a autodeclaração, o entendimento e a aceitação da identidade negra. Ser negro não é vergonha, pelo contrário, é orgulho.
Mais que uma data
Por isso é importante que o Dia da Consciência Negra seja celebrado. Mais do que uma data, é um momento de chamar a atenção para o fomento do orgulho de ser negro, assim como a luta contra o racismo e a relevância de não apenas não ser racista, mas também ser antirracista. Não apenas neste dia, mas em todos, deve-se procurar conhecimento e respeito ao próximo, assim contribuindo para uma sociedade mais justa e com equidade racial.
Lanne Hadassa (Ascom/TRE-TO)