Juiz da 1ª Vara da Fazenda e Registros Públicos de Gurupi, Nassib Cleto Mamud, determinou, nesta terça-feira (21/5), que o Estado do Tocantins inclua no planejamento orçamentário estadual a disponibilização na cidade de Gurupi de um presídio feminino que atenda aos requisitos legais e à demanda de vagas.
A decisão saiu em uma ação apresentada ao Judiciário em 2021 pelo Ministério Público do Tocantins (MPTO) com base em inquérito civil público no qual o órgão investigava, desde 2018, a ausência de vagas para o recolhimento de presas provisórias do sexo feminino em unidades prisionais.
Conforme o processo, na fase de investigação ministerial, a Casa de Prisão Provisória de Gurupi passou por uma reforma com a criação de uma sala de triagem para detentos homens, mas quando há pessoas do público feminino, à espera de audiência de custódia, as mulheres são colocadas nesta cela ou são transferidas para a unidade prisional feminina de Talismã, município que abriga um dos presídios femininos no Estado.
Durante a instrução processual, o Poder Executivo Estadual defendeu que a Casa de Prisão Provisória é destinada exclusivamente a presos do sexo masculino e funciona em pleno acordo com a legislação, mas existe a intenção de transformar o local em uma Unidade Prisional Feminina dentro de um projeto “de reestruturação e regionalização do Sistema Penitenciário do Estado”.
Também ponderou que o Ministério Público e o Poder Judiciário não têm a atribuição de ditar como se deve gerenciar as prisões, a execução das políticas públicas de segurança pública e da administração penitenciária e não se recusa a implementar as melhorias no sistema prisional, mas ressalvou a atuação está limitada “pelos recursos financeiros e pelo planejamento de gestão, que deve obedecer às leis e prioridades estabelecidas para o desenvolvimento das políticas públicas”.
Os fundamentos da decisão judicial
Ao julgar o caso, o juiz observa que todas as tentativas de conciliação restaram infrutíferas e destacou que não se trata da implementação direta de políticas públicas pelo Judiciário, mas do “cumprimento da obrigação mais elementar” do Poder Judiciário, de “dar concretude aos direitos fundamentais, garantidos em normas constitucionais, ordinárias, regulamentares e internacionais”.
Segundo o juiz, se trata de caso que vai além da Lei de Execuções Penais, pois sequer existe cadeia pública feminina em Gurupi. “A presente questão se torna proeminente pela inexistência da cadeia pública feminina e pela omissão estatal na disponibilização de um local no território da Comarca de Gurupi para manter as detentas, o que se torna prejudicial à integridade e em outros aspectos”, escreve.
Conforme a sentença, em relação a Lei de Execuções Penais e aos princípios Constitucionais, a medida tomada pela Secretaria de Segurança de esvaziar uma sala onde havia detentos do sexo masculino quando houver necessidade de utilização pelas detentas do sexo feminino “não pode ser considerada como uma medida de resolução” e fere a Lei de Execuções Penais.
O juiz lembra que a unidade de Talismã, para onde as detentas são deslocadas fica a 127 km de Gurupi, e a maioria faz parte de uma população com condições socioeconômicas mais baixas, conforme relatório da Secretaria Nacional de Políticas Penais, citado pelo magistrado na sentença. Os resultados do estudo, ressalta o juiz, indicam que das mulheres privadas de liberdade no Tocantins, a grande maioria é mãe, vive em regiões periféricas, possui baixo nível de escolaridade e a maior parte é negra e parda.
“Pois, se o Estado, em sua política administrativa, deve tratar a todos igualmente, essa igualdade demanda a priorização das carências não apenas de algumas, mas de todas as comunidades. De outra borda, mas na mesma via, também cabe ao Poder Judiciário, diante da omissão do Poder Executivo a implementação e efetivação dos direitos fundamentais, agir com celeridade e garantir o cumprimento dos comandos constitucionais” – Juiz Nassib Cleto Mamud
Em outro trecho, o juiz pondera que por se tratar de um direito essencial das detentas, não há empecilho jurídico para o Judiciário estabelecer a inclusão de determinada política pública vital nos planos orçamentários do poder público, especialmente no caso, em que, segundo o juiz, “não houve a devida comprovação objetiva de incapacidade econômico-financeira pelo Estado”.
Ao longo da sentença, o juiz reiterou, mais de uma vez, que a decisão não indica que o Judiciário está assumindo as tarefas típicas da Administração Pública, mas apenas “determinando que sejam tomadas medidas no sentido de estabelecer aquilo que decorre ou está previsto no Texto Constitucional”.
Por se tratar de uma decisão com impacto na Fazenda Pública, ainda que governo ou Ministério Público recorram, o caso será julgado pelo Tribunal de Justiça por meio de reexame necessário. Esta modalidade de processo judicial é uma etapa em que as decisões judiciais que envolvem a fazenda pública são enviadas para reanálise pelos desembargadores, que podem mantê-las ou refazê-las.