A disparidade fez com que a conta de luz para famílias e a maioria das empesas do país, de médio e pequeno porte, aumentasse, na média
ALEXA SALOMÃO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Não é o preço da energia em si, mas a distribuição desordenada de subsídios e custos adicionais que está elevando exponencialmente a conta de luz, mostra diagnóstico sobre itens que compõem a tarifa ao longo dos anos.
De 2013 a 2023, por exemplo, o preço da energia em si cresceu 9%, já descontado a inflação. Os encargos, no entanto, nome dado a subsídios para operação de empresas, como desconto no fio para projetos de energia renovável, e custos excepcionais, como a ajuda a distribuidoras durante a Covid, avançaram 326,5%. Passaram de R$ 32,8 bilhões para R$ 139 bilhões.
A disparidade fez com que a conta de luz para famílias e a maioria das empesas do país, de médio e pequeno porte, aumentasse, na média nacional, 35% no período quatro vezes mais que o valor da energia em si.
“A CDE [que reúne encargos criticados pelo setor] se tornou impagável e causa uma espiral da morte: incentiva o consumidor a sair do ambiente regulado, como quem fica paga uma conta maior, também tenta fugir e, se consegue, deixa a conta maior ainda para quem fica, num movimento sucessivo”, afirma Mario Menel, presidente do Fase (Fórum das Associações do Setor Elétrico).
O fórum, que reúne 20 entidades de todos os segmentos do setor geração, transmissão e distribuição, seja hídrica, solar, eólica e até biogás e nuclear, realizou um levantamento que inclui o diagnóstico sobre desarranjos no setor de energia elétrica e sugestões para reverter os problemas.
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O estudo avalia impactos nos diferentes segmentos de consumo.
Considera o mercado regulado ou cativo, onde famílias e a maioria das empresas estão “presas”, ou seja, recebem uma conta de luz fechada. Avalia também o mercado livre, ambiente em que estão empresas maiores e é possível negociar o valor e o prazo para a concessão de energia. Inclui ainda a autoprodução, caso em que uma empresa investe em geração própria, direta ou indiretamente.
Intitulado Agenda Fase, o trabalho técnico ficou a cargo da consultoria Volt Robotics, que atualizou dados e realizou entrevistas com todos os associados para consolidar uma visão setorial ampla.
O estudo trata de transição energética e alternativas para elevar investimentos. Defende com propostas detalhadas o aprimoramento da gestão e do planejamento setorial, com órgãos públicos adotando metas mais consistentes e claras.
Uma grande preocupação da Agenda Fase é com o destino dos encargos e seus efeitos especialmente sobre o mercado regulado, onde estão mais de 90% dos consumidores brasileiros.
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“O ambiente regulado assumiu riscos insuportáveis”, afirma o diretor geral da Volt Robotics, Donato da Silva Filho.
“O risco de chover e o de não chover, o risco de dólar, o risco de preço de combustíveis. Esse modelo já quebrou três vezes.
Quebrou entre 2013 e 2014, com um seca, em 2020 com a Covid, e outra vez com nova seca em 2021. Não se sustenta.”
A título de comparação, a tarifa média no mercado cativo no ano passado encostou em R$ 740 pelo MWh (megawatt-hora). No mercado livre, no entanto, ficou na faixa de R$ 120. Atualmente, o PLD (Preço de Liquidação de Diferença), que serve como balizador para negociações à vista de energia, está em R$ 61.
Uma das maiores preocupações do setor, reforçada pelo estudo do Fase, é o encarecimento da tarifa provocado pela CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), onde se consolida boa parte dos encargos criados por esses riscos imprevisíveis ou pela atuação de lobbies, em que cada setor puxa para o seu lado sem pensar no todo.
A projeção é que vai custar R$ 37 bilhões neste ano.
Os encargos não são pagos por quem tem autoprodução e micro e mini geração distribuída, normalmente de painéis solares. O consumidor de baixa renda também é isento.
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“Precisamos de uma ação estruturante para reduzir esses encargos porque eles vão levar à insolvência do setor elétrico.”
Normalmente, um subsídio pode vir na forma de benefício social, para ajudar os mais pobres, ou como um incentivo para, provisoriamente, ajudar algum setor considerado prioritário ou estratégico, mas que ainda não consegue avançar sem apoio. Nas melhores gestões, o governo usa o subsídio como ferramenta para direcionar prioridades da política pública.
Nos últimos anos, no entanto, a distribuição de benefícios vem ocorrendo sem um norte coeso.
Encargos são liberados pelo Congresso Nacional para atender lobbies aleatórios, sem relação com uma política na área de energia, muitas vezes, mediante o silêncio ou até apoio meramente político, sem análise técnica do MME (Ministério de Minas e Energia). Não raro, também, atropelando a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que vem perdendo força no contexto de enfraquecimento geral das agências reguladoras.
Os dois itens que mais pesam na CDE, por exemplo, demonstram a falta de rumo.
O custo mais elevado, projetado em R$ 10,7 bilhões para este ano, vem do combustível fóssil para térmicas em áreas isoladas, a maioria na Amazônia Legal, que estão dentro da chamada CCC (Conta de Consumo de Combustíveis).
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O segundo item é o desconto na conexão dos projetos de energia renovável no sistema, também chamado de desconto da distribuição, estimado em R$ 10,2 bilhões neste ano.
“São sinais trocados: subsidiamos, ao mesmo tempo, combustível fóssil e energia renovável”, afirma Donato.
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“Cada hora alguém elege um vilão diferente para os aumentos da tarifa de energia, mas dados de diferentes setores mostram que os problemas estão disseminados, por isso, propomos no relatório do Fase uma faxina no sistema regulado.”
No caso das térmicas com combustível poluente, Donato destaca que já existe tecnologia para gerenciar o uso de um volume menor de combustível fóssil, intercalando com a geração de energia renovável, especialmente solar e biomassa.
Ele também afirma que é preciso colocar prazo em todos os subsídios, e dá exemplos.
“Estamos subsidiando carvão mineral na transição energética. É preciso colocar em lei um limite para acabar, sugerimos cinco anos, e fazer um plano para revitalizar as cidades que dependem dele, gerando emprego verde”, afirma ele.
“As pessoas dessa região não precisam ficaram dependentes de uma economia da época da Princesa Isabel.”
O terceiro encargo que mais pesa na conta de luz é a tarifa social, projetada em R$ 6,2 bilhões neste ano. Donato defende que aí também é preciso uma análise mais cautelosa, apesar de o gasto ser defensável em todos os sentidos.
“A gente não enxergava com clareza, mas o subsídio para baixa renda dobrou depois da pandemia, e não está garantido que todos os beneficiados são elegíveis”, afirma Donato.
Antes da Covid-19, o benefício abrangia o montante de 1.500 MW médios, depois, mais de 3.000 MW médios.
“Houve um pente-fino no Bolsa Família, talvez valesse a pena também fazer uma análise detalhada, a partir dos cadastros de programas sociais, desse benefício sobre a conta de luz.”
Os dados coletados também apontam, destaca Donato, que vai surgir uma espécie de nova CDE até 2030.
“Estamos fazendo leilões e contratando térmicas do jeito menos econômico, e isso precisa ser revisto para não comprometer o futuro da tarifa”, afirma
Uma das medidas importantes para deter a pressão do custos, destaca, é o cancelamento de todas as térmicas previstas na Lei de Privatização da Eletrobras.
O texto estabelece a construção de 8 GW (gigawatts) de térmicas a gás onde não há gás, exigindo a construção de gasodutos, nem mercado consumidor, o que também vai demandar a construção de novas linhas de transmissão. Tudo isso, elevando ainda mais os encargos na conta de luz.
A Agenda Fase já foi enviada ao Congresso, MME, e outras pastas que estão envolvidas na agenda de energia, como Fazenda, Mdic (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Ambiente e Aneel.