Iniciativas educacionais para eleitores identificarem uso de inteligência artificial (IA) em notícias falsas podem ser uma das soluções para contornar os desafios que a nova tecnologia impõe às eleições municipais de 2024. A constatação é de integrantes do Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional que participaram de audiência pública nesta segunda-feira (05).
Destinada a debater o uso da tecnologia no processo eleitoral, a reunião foi presidida pelo advogado e editor-chefe do portal jurídico Migalhas, Miguel Matos. Assunto presente em todos as reuniões do Conselho neste ano, a IA teve seu uso nas eleições municipais de 2024 regulado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em fevereiro. Entre outras regras, o tribunal vedou o uso de deepfakes — vídeo ou imagem gerada por IA que falsifica ações de determinadas pessoas com alto grau de realismo — e restringiu o uso de robôs na comunicação das campanhas.
Segundo o representante do Senado no Conselho Consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Fabrício da Mota Alves, a conscientização acerca da IA deve abordar a identificação do eleitor e sua reação quanto ao conteúdo falso.
— A gente espera que campanhas [de sensibilização] e a própria Justiça Eleitoral tragam iniciativa para educar os eleitores sobre os impactos da IA nas eleições. Conscientizar sobre como identificar e reagir a conteúdo gerado por IA é fundamental para auxiliar de forma complementar o combate contra desinformação e fake news.
Fabrício apontou que o uso indevido de dados de usuários pela empresa Cambridge Analytics nas eleições americanas em 2016 evidenciam os riscos que as novas tecnologias apresentam à integridade do processo eleitoral. Segundo ele, um dos principais aspectos das discussões sobre a regulamentação da IA é a proteção de dados pessoais. Essas informações são utilizadas massivamente, por exemplo, no aperfeiçoamento dos conteúdos gerados por IA ou no enviesamento das informações que são entregues nas redes sociais com base nas preferências de cada perfil — as chamadas “bolhas” de informação.
Educação midiática
Para a advogada e conselheira Angela Cignachi, a regulação das tecnologias está sempre atrasada com relação à inovação. Como solução, ela propôs a educação sobre o tema desde a infância como forma sustentável de combater a desinformação.
— Estamos sempre enxugando gelo. As crianças deveriam ter aulas sobre educação midiática, sobre o que as tecnologias são capazes de produzir e saber que tem muitos aspectos positivos. Temos que ter capacidade de conhecer para protegermos nossa liberdade de conhecimento e de escolha — disse.
A conselheira Patrícia Blanco afirmou que informações simplificadas sobre como identificar fake news são insuficientes para combater o problema. Ela compartilhou a experiência do projeto Fake To Fora, conduzido pelo Instituto Palavra Aberta, do qual é presidente.
— Quando a gente começou, viu que não adianta dar cinco passos para checar a informação. Precisa dar um passo atrás e dar ao aluno de ensino médio um repertório para que ele pudesse desenvolver sua autonomia na hora de fazer sua escolha informada.
A conselheira Ana Flávia Cabral, representante dos artistas no CCS, indagou se há ações do tipo promovidas pelo Ministério da Educação com a Secretaria da Comunicação (Secom), representada por sua coordenadora-geral de Liberdade de Expressão e Enfrentamento à Desinformação, Marina Giancoli Cardoso Pita.
Fiscalização
Para Marina Pita, o poder público deveria, durante as eleições, ter acesso aos mecanismos de publicidade das plataformas digitais. A intenção, segundo ela, é contornar as “bolhas” e equalizar a visibilidade de todos os candidatos.
— Uma regulação é fundamental para garantir repositório de publicidade em que tanto o governo, a Justiça, mas também a sociedade civil possam acompanhar o que está acontecendo.
Ela apontou que as plataformas digitais devem seguir as normas que já são previstas em lei e, assim, “demonstrar um esforço contínuo e suficiente de garantir que esse ecossistema seja íntegro”.
Conceitos distintos
Doutora em direito administrativo, a convidada Marilda Silveira afirmou que a regulamentação da IA deveria abranger também a regulamentação das plataformas digitais. Essas empresas, de acordo com a debatedora, não devem ter as mesmas regras baseadas no impacto que jornais, rádios e televisões possuem na formação da opinião do eleitor.
— A gente tem jurisprudência sólida de que veículos de acesso ao conhecimento impresso [jornais] podem tomar posição [político-partidária], mas rádio e TV não. A gente criou a narrativa de dizer que é porque eram concedidos e escassos, e por isso tinham que ser limitados. Essa construção de mundo não faz mais sentido. A gente precisa repensar essa forma de impor a obrigação de não tomar partido para grandes plataformas que têm capacidade de induzir visão de mundo, como fazer para fiscalizar essa forma de interferir eventualmente no processo eleitoral e que não retire da Justiça Eleitoral sua competência [de fiscalizar].
Poderes
Jornalista do Senado, o conselheiro Davi Emerich questionou a falta de sintonia entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em suas decisões sobre regulamentação de IA. O governo federal lançou no final de julho o Plano Brasileiro de IA 2024-2028. Já o Senado analisa o Projeto de Lei (PL) 2.338/2024, do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente da Casa, que aborda a regulamentação de IA de modo principiológico e geral. O texto é analisado em comissão temporária, sob relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO).
— Ao que me parece, cada um está atirando para um lado. Se esses três Poderes não criarem um fórum próprio para equalizar ações da IA, acho que lá na frente vai ser uma “bateção de cabeça” incrível. Há alguma iniciativa nesse sentido? — questionou Emerich.
O conselheiro Marcus Bennett, representante da sociedade civil, também indagou sobre ações integradas do governo federal com o TSE.
Segundo Marina Pita, que representou o governo federal, não há um espaço oficial entre os Poderes, ainda que haja diálogos. Mas, para ela, no momento o esforço maior é de garantir um diálogo dentro do governo federal em prol do Plano Brasileiro de IA.
CCS
Órgão específico auxiliar do Congresso para tratar de assuntos relacionados à comunicação e à liberdade de imprensa, o CCS está previsto na Constituição Federal de 1988. Foi instituído pela Lei 8.389, de 1991, mas só foi instalado efetivamente em 2002.
O CCS tem como atribuição a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional. É composto por membros da sociedade civil e representantes de setores da comunicação, como televisão e jornalismo.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)